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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Sobre a solidão

Usava seu chapéu e, por mais que desconhecesse, ainda tinha todo seu charme. Nos pés levava sempre seu sapato social. Os resultados dos exames não estavam tão bons, passou a tarde toda pensando nisso. Catarata, osteoporose, perda de audição e memória, problemas de digestão e outras coisas que não conseguia nem mais enumerar. Havia sentado no banco da praça sozinho pra poder olhar o relógio e ver minuto a minuto passar. Não tinha mais pressa alguma, mas tinha medo. Nunca tivera tanto medo da morte como agora. No auge dos seus 86 anos estava pela primeira vez com medo, e se pegou rindo disso. Já havia superado suas expectativas por aqui, já havia passado por muitos problemas e vencido todos. Já havia perdido muitos dos que amava e agora andava se sentindo só. Seus filhos estavam sempre muito apressados, e seus netos sempre vidrados na frente do computador ou videogames. Pensou que se pudesse abortar algo do mundo, seriam essas tecnologias interativas.. tinha certeza de que eram elas que faziam seus netos esquecerem de pedir a benção ou então visitá-lo vez ou outra. Gostava de sair e sentar naquele mesmo banco de sempre. Dali tinha uma visão ampla da avenida mais movimentada da cidade. Não deixava de ir a igreja nos domingos e sempre pedia pela alma de sua falecida e tão amada esposa. Mesmo depois de tantos anos não se conformava por ter perdido aquilo que costumava chamar de "sorte grande". Sua mulher havia sido sim o grande amor de sua vida, e quando pensava nela com essa doce nostalgia, esboçava sem perceber o maior dos sorrisos no rosto. Queria estar ali, ladeado por algum de seus netos pra contar sobre suas histórias de muitos anos atrás. Começava a escurecer, lembrou-se do remédio das 6. Havia uma semana que não se lembrava de tomá-lo, pensou se aquilo era um grande problema, mas logo deu de ombros. Já não tinha mais tempo para essas preocupações. Continuou ali por mais alguns minutos reparando em como essa "outra geração" era apressada. Se sentiu na contramão do mundo sabendo que podia ficar sentado ali contando minuto por minuto sem ter que sair correndo para pegar a próxima condução. Foi embora quando já era noite, acompanhado por sua bengala, no seu passo mais lento.

sábado, 1 de setembro de 2012

Lua azul

Era noite de lua azul. Não sabia o que aquilo significava, mas poderia ser um sinal. A lua estava radiante, e ela, por algum motivo olhou pro céu iluminado suplicando por sorte. Não sabia muito bem também se o que precisava era sorte, mas mesmo assim pediu. Por um instante se repreendeu por estar fazendo aquilo, foi instintivo. Ela nem nunca havia acreditado em sorte. Deixou aquilo de lado e continuou caminhando. Queria algo pra sentir aquela noite, nem que fossem os ouvidos doendo por causa das músicas que iria colocar no último volume. Andava apressada no compasso da música violenta que havia colocado para tocar. Todos a olhavam, o som estava tão alto que quem estivesse num raio de cinco metros conseguiria escutar a música, mesmo ela estando com fones de ouvido. Foi sibilando o refrão gritado pela rua, sem saber muito bem para onde ia. "GET INSIDE, GET INSIDE MOTHERFUCKER". Sabia bem que a música não combinava com a noite que fazia. Pensou que talvez devesse mudar para alguma música da sua lista de prediletas da MPB, mas isso não faria sua cabeça dar um nó como aquela música que tocava fazia. Estava quase correndo, sem rumo. Não sabia para onde iria, já havia percorrido toda a lista da agenda do celular e não havia encontrado ninguém que pudesse acompanhá-la. Se sentia mais sozinha que nunca e isso só fazia aumentar aquele vazio que trazia no peito. Lembrou-se de todas as pessoas que queria ter perto de si, pensou no que cada uma poderia estar fazendo e se perguntou se sentiam falta dela... só conseguia pensar que não. Talvez fosse esse seu lado sempre negativo que a fizesse ficar tão sozinha. Queria alguém para compartilhar comentários sobre a lua, que não era azulada, mas era a mais bonita que havia visto. Queria voltar no tempo, reviver suas conquistas prediletas. Não aceitava ter crescido tanto no último ano. Estava alta, com um peso a mais de responsabilidades nos ombros. Tinha os mesmos medos de quando era apenas uma criança. Não sabia bem o que era, muito menos sabia como se sentir. Apertou ainda mais os passos, até que tomou um impulso maior. Queria correr, queria muito fugir. Teve a sensação de que correndo poderia se sentir mais leve. Em um segundo houve uma explosão, seu rosto estava todo molhado, apenas sentia suas lágrimas salgadas rolarem pelo pescoço e cabelos. Se sentia fraca, totalmente fraca, embora com uma música terrivelmente forte aos ouvidos. Estava correndo, fugindo... mas de quê? Não conseguia pensar, muito menos entender o porquê de tudo aquilo. Talvez devesse aceitar que aquilo era ela, que aquele vazio que trazia no peito era algo quase que genético. Não se sentia culpada pelos amores que amou errado, nem pelos amigos que lhe escaparam dos dedos. Parou. Respirou. Enxugou as lágrimas do rosto totalmente borrado pela maquiagem desfeita. Mudou a música. Começou a sentir que deveria aceitar aquela melancolia e cuidar bem daquele furo no peito. Olhou pra lua, agradeceu. Não havia tido sorte, nem a falta dela. Havia conseguido compreender, em meio aos seus soluços e sentimentos que aquilo era tudo o que era. Fechou os olhos e sentiu que poderia sim ser tudo que bem entendesse. Sentiu que tudo o que precisava era de si em um único estado: feliz.